Laerte-se, é maravilhoso!



Laerte pergunta o motivo de estar sendo alvo de uma câmera logo no início do documentário, uma questão bastante válida, considerando que o cartunista não era tão popular quanto à figura pública que se tornou Laerte após sua transformação.


Em 2009 Laerte sentiu a necessidade de mudar sua imagem e viver sua real identidade de gênero, a mudança de “ele” para “ela” causou um forte aumento no interesse sobre a pessoa Laerte, e o documentário da Netflix vem como uma forma da artista “explicar” essa transição. Lygia Barbosa, uma das diretoras, tinha como objetivo apresentar algo diferente do que estava na mídia, essa mudança de Laerte gerou diversas matérias e ensaios fotográficos. Mas o documentário, o primeiro original da Netflix no país, trouxe um olhar mais leve, e ao mesmo tempo esclarecedor.

Uma Laerte discreta e receosa é vista nas primeiras cenas. Em uma conversa por e-mail com Eliane Brum, uma das responsáveis pelo documentário, a cartunista questiona se não seria melhor adiar, novamente, a gravação ou mudar o local, pois sua casa poderia não ser o melhor cenário para o projeto.  Eliane argumenta que adiar não seria a melhor resposta para a situação, que aquilo possivelmente não iria ficar mais fácil no futuro ou em outra locação.

E então, as gravações começam, na casa de Laerte, acompanhando rotinas, coisas do dia a dia, uma divertida sessão com a manicure que insiste em tratar a artista como “amigão”, visitas do filho Rafael, o neto que continua chamando de avô, pois já possui muitas avós. Laerte-se apresenta um lado caseiro e família, a cartunista conta a reação dos pais, a mãe que usa do humor para iniciar conversas mais sérias, desde “tenho uns vestidos pra emprestar” até o “cuidado, você pode ser agredida”, o pai, que apesar de ser de uma outra época, respeita e tenta entender a nova filha. Laerte também fala sobre a morte precoce do filho Diogo, considerada por alguns como principal gatilho para sua transformação.

Eliane Brum, Laerte e Lygia Barbosa.

O documentário acompanha parte da decisão de Laerte pela cirurgia para colocar silicone. “Cadê seus peitos?”, a pergunta ouvida por vários trans que optam por não mudar os genitais ou colocar silicone, para Laerte isso não faz de ninguém mais mulher ou menos homem, é uma decisão extremamente pessoal. Ela adiou, mas acabou decidindo que se sentiria melhor com peitos, e não apenas com o enchimento do sutiã, porém não planeja a “remoção” do pênis. Muitas questões delicadas são levantadas por Brum em conversas com a cartunista, o machismo mascarado na comunidade LGBT, padrões de gêneros presentes na comunidade trans, o preconceito entre iguais motivados pela escolha de mudanças físicas. Questões sexuais, sobre desejo, opções, paixões. Laerte foi casado 3 vezes, mas declara que ainda não se sentiu desejada como mulher por um homem, porém teve um relacionamento com uma mulher cis lésbica, e acha importante reforçar que essa, se sentiu atraída pela mulher Laerte.




Brum percebe com interesse que Laerte inicia uma reforma em casa ao mesmo tempo em que pensa em fazer uma mudança física. É uma nova fase na vida da cartunista, ela brinca que são muitas novidades, vestidos, sapatos, toda uma idealização do que vestir. Para homens é um processo mais simples, a mulher muitas vezes utiliza as roupas como armadura, para lutar em um mundo patriarcal, para se adequar, se expor, se satisfazer visualmente.

O documentário conta com inserções de algumas criações da cartunista. Hugo/Muriel, o homem que vira mulher nas tiras, reflete as mudanças e pensamentos reais de Laerte. A diretora pergunta se houve algum problema profissional desde a transição, Laerte diz que já possuía uma rede sólida e que pouco mudou nesse aspecto. Ela argumenta que isso pode ser um ponto que impede muitas pessoas da comunidade LGBT de se libertar dos padrões instituídos, medo de perder oportunidades e empregos, preocupação financeira, aceitação da família e amigos.


Laerte se revelou em uma fase madura da vida, com uma mente já trabalhada, experiências e uma visão clara do que queria, ela conta que na juventude teve atos, que identifica hoje, como machista. Hoje, mesmo não tendo todas as respostas, Laerte se sente mais a vontade para debater sobre suas próprias escolhas e mudanças, em constante investigação pessoal, estuda as possibilidades que pode ter como mulher, em um novo corpo e cenários.


O documentário está leve e divertido, já disponível na Netflix. 





Imagens: Divulgação
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