Laerte pergunta o motivo de estar
sendo alvo de uma câmera logo no início do documentário, uma questão bastante válida,
considerando que o cartunista não era tão popular quanto à figura pública que
se tornou Laerte após sua transformação.

Uma Laerte discreta e receosa é
vista nas primeiras cenas. Em uma conversa por e-mail com Eliane Brum, uma das responsáveis pelo documentário, a
cartunista questiona se não seria melhor adiar, novamente, a gravação ou mudar
o local, pois sua casa poderia não ser o melhor cenário para o projeto. Eliane argumenta que adiar não seria a melhor
resposta para a situação, que aquilo possivelmente não iria ficar mais fácil no
futuro ou em outra locação.
E então, as gravações começam, na
casa de Laerte, acompanhando rotinas, coisas do dia a dia, uma divertida sessão
com a manicure que insiste em tratar a artista como “amigão”, visitas do filho
Rafael, o neto que continua chamando de avô, pois já possui muitas avós. Laerte-se
apresenta um lado caseiro e família, a cartunista conta a reação dos pais, a
mãe que usa do humor para iniciar conversas mais sérias, desde “tenho uns
vestidos pra emprestar” até o “cuidado, você pode ser agredida”, o pai, que
apesar de ser de uma outra época, respeita e tenta entender a nova filha. Laerte
também fala sobre a morte precoce do filho Diogo, considerada por alguns como
principal gatilho para sua transformação.
Eliane Brum, Laerte e Lygia Barbosa.
O documentário acompanha parte da
decisão de Laerte pela cirurgia para colocar silicone. “Cadê seus peitos?”, a
pergunta ouvida por vários trans que optam por não mudar os genitais ou colocar
silicone, para Laerte isso não faz de ninguém mais mulher ou menos homem, é uma
decisão extremamente pessoal. Ela adiou, mas acabou decidindo que se sentiria
melhor com peitos, e não apenas com o enchimento do sutiã, porém não planeja a “remoção”
do pênis. Muitas questões delicadas são levantadas por Brum em conversas com a
cartunista, o machismo mascarado na comunidade LGBT, padrões de gêneros presentes
na comunidade trans, o preconceito entre iguais motivados pela escolha de
mudanças físicas. Questões sexuais, sobre desejo, opções, paixões. Laerte foi casado
3 vezes, mas declara que ainda não se sentiu desejada como mulher por um homem,
porém teve um relacionamento com uma mulher cis lésbica, e acha importante reforçar que essa, se
sentiu atraída pela mulher Laerte.
Brum percebe com interesse que Laerte
inicia uma reforma em casa ao mesmo tempo em que pensa em fazer uma mudança física.
É uma nova fase na vida da cartunista, ela brinca que são muitas novidades,
vestidos, sapatos, toda uma idealização do que vestir. Para homens é um
processo mais simples, a mulher muitas vezes utiliza as roupas como armadura,
para lutar em um mundo patriarcal, para se adequar, se expor, se satisfazer
visualmente.
O documentário conta com
inserções de algumas criações da cartunista. Hugo/Muriel, o homem que vira mulher
nas tiras, reflete as mudanças e pensamentos reais de Laerte. A diretora
pergunta se houve algum problema profissional desde a transição, Laerte diz que
já possuía uma rede sólida e que pouco mudou nesse aspecto. Ela argumenta que
isso pode ser um ponto que impede muitas pessoas da comunidade LGBT de se
libertar dos padrões instituídos, medo de perder oportunidades e empregos,
preocupação financeira, aceitação da família e amigos.
Laerte se revelou em uma
fase madura da vida, com uma mente já trabalhada, experiências e uma visão
clara do que queria, ela conta que na juventude teve atos, que identifica hoje,
como machista. Hoje, mesmo não tendo todas as respostas, Laerte se sente mais a
vontade para debater sobre suas próprias escolhas e mudanças, em constante investigação
pessoal, estuda as possibilidades que pode ter como mulher, em um novo corpo e
cenários.
O documentário está leve e
divertido, já disponível na Netflix.
Imagens: Divulgação
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