Uma conversa com Laurinha.




Um furacão. Mulher, artista, mãe, avó, cantora, politizada, intelectual, criativa, alegre, guerreira, rainha das laces, Laura Arantes, mais conhecida como Laurinha, de “inha” mesmo não tem nada, uma criatura decidida, que vai em busca de suas conquistas sem abrir mão da família e das pessoas que ama.

Grande conhecedora do Carnaval, curtia a festa desde muito pequena levada pelo pai, foi a primeira vocalista da Pimenta de Cheiro que depois ficaria conhecida como a banda Cheiro de Amor, Laura lembra que cantar o “Tema da Cheiro” (música de assinatura do grupo, criada por Heládio Torinho e Jorge Guimarães) pela primeira vez foi algo impactante. Vinda de um período pré Axé, no qual canções de vários ritmos eram cantadas nos trios, a composição de Zé Ramalho “Amar Quem Já Amei”, está em destaque na memória da cantora, originalmente gravada por Amelinha, a canção agrada bastante o público na voz de Laurinha.

 “Eu jamais pensei que um dia seria cantora de trio. Gostava de Carnaval, brincava todos os anos, tietava Baby do Brasil, babava vendo Moraes Moreira, Caetano Veloso, Pepeu Gomes e outros cantores lá em cima do trio, mas eu nunca tive essa ambição, sequer cogitei essa possibilidade, até que, em 1982, recém chegada do Rio de Janeiro, casualmente me encontrei com Vick (Vicente Sales, guitarrista), amigo de infância, numa festa de aniversário de um amigo em comum. Começamos a conversar, falamos da vida, das idas e vindas, afinal eram anos sem nos vermos e foi aí que ele contou que era um dos fundadores do bloco e também responsável pela música que animava os foliões do Cheiro de Amor. No meio da conversa veio a pergunta: “Laurinha, topa fazer um teste pra ser a cantora da banda que estamos criando pro bloco?”, ele me explicou que a diretoria queria uma menina que fizesse  backing vocal pro cantor. Falei que eu não sabia como fazer coro, que só sabia cantar, mas que tentaria. Dias depois, eu fiz o teste junto com outra cantora, passei e aí começou minha trajetória no Carnaval da Bahia


Estrela do saudoso Carnaval da década de 80, Laurinha marcou sua estréia na folia com uma grande responsabilidade: a primeira mulher a puxar um bloco no Carnaval de Salvador.

“Subir no trio e enfrentar uma multidão não é muito fácil. Por mais experiente que seja um cantor, sempre dá um frio na barriga, caruara, enfim, é *#$*! Primeira vez em cima de um trio é para os fortes! Mas comigo tudo rolou muito tranquilamente porque a minha estréia foi um pouco antes, em janeiro de 83, na Lavagem do Bonfim fazendo o percurso da Igreja da Conceição à Baixa do Bonfim. Eu também pude contar com o apoio de amigos maravilhosos, cuidadosos, que muito me ajudaram me dando segurança, me mostrando e ensinando “as manhas” do trio. O cantor também foi muito importante nessa hora, mais velho e mais experiente foi muito generoso comigo.  Seu nome era Gildo (faleceu poucos anos depois). Para que ter medo? Eu estava rodeada de amigos, três deles de infância! Não poderia ter estréia mais linda, né? Daí em diante ficou fácil e se havia alguma timidez ou medo naquele dia eu deixei lá nos pés do Senhor do Bonfim e me joguei inteira. Entrei na avenida pro primeiro Carnaval da minha vida “virada no estopor”, pocando tudo! [risos].  A essa altura, com a diretoria do bloco já rendida, eu que já não aceitava ser apenas a backing e ajudada pela banda entrei na avenida em condições de igualdade com o cantor. Tudo pau a pau. Quando olhei pra baixo e vi aquele mar de “mamãe sacode” me saudando, os pêlos subiram, o coração acelerou, respirei fundo e fui sem pensar em mais nada. Me joguei pra galera!!!! Como era mágico dominar aquela massa! Foi nesse momento que nasceu a “puxadora de bloco” e eu pude ver que ali havia um lugar para mim. É muito gratificante poder dominar milhares de associados com a força da voz.”


Mesmo em uma época na qual os homens predominavam a cena do Carnaval, Laura afirma que nunca se sentiu intimidada e foi bem aceita no meio, tendo uma relação tranquila com seus colegas de trabalho. A cantora fez parte da gravação original de “We Are The World of Carnaval”, um dos maiores hinos do Carnaval de Salvador, de acordo com ela, os envolvidos não imaginavam o tamanho que a canção iria alcançar, na época criada por Nizan Guanaes em apoio para as obras de Irmã Dulce.

Saindo da Cheiro de Amor com o convite para cantar na Novos Bárbaros, com a qual gravou dois discos, iniciou sua carreira solo ainda na década de 80 e o hit “Pipoca Louca” grudou na mente de quem ouvia. Além de cantora, Laura foi apresentadora em 3 programas musicais na TV Itapuã. Em 89 recebeu o Prêmio Caymmi de Melhor Intérprete pelo show Pura Ousadia, abrindo espaço para todos os prêmios na categoria daquele ano, além da Placa de Ouro de Melhor Cantora de Carnaval pela Itapuã.

Sua careira internacional foi lançada no início de 90, tido por ela como momento mais marcante em sua carreira, saiu em turnê pela Europa e se fixando na Espanha onde passou um longo período. Laura conta que se arrepende de ter retornado ao Brasil antes de garantir a nacionalidade na Espanha, mesmo com todo sucesso que alcançou por lá, não resistiu de saudades das filhas que optaram por ficar no Brasil. Retornando ao país, gravou dois álbuns com participação de grandes nomes como Armandinho, Ramiro Musotto e o grupo Ylê Ayê.

Laura Arantes sempre deu importância para a origem do Carnaval, os artistas e grupos que começaram os movimentos, grandes nomes da música na Bahia que infelizmente por diferentes motivos acabam sendo negligenciados. Uma das principais líderes da União dos Artistas Independentes da Bahia, ao lado de Gerônimo e outros nomes, ela lutou pelo reconhecimento e direitos dos artistas que considera construtores da história do Axé. Apesar de suas batalhas, a mesma conta que se afastou um pouco da UAI-BA e do desenvolvimento de alguns projetos por insatisfação e uma certa decepção com os colegas, que muitas vezes não se interessam pelo coletivo e apenas se preocupam com suas próprias carreiras ou preferem não se arriscar para crescer no mercado.

Como extensão desse desejo de apoiar os artistas, Laurinha comemorou seu aniversário de 30 anos na carreira desenvolvendo o MemoriAxé. O projeto visa preservar, resgatar e valorizar figuras importantes para o campo artístico baiano. Acontecendo em bares populares e casas de evento, agrupando artistas plásticos, cantores, autores, etc. No palco, Laura recebe grandes convidados e anima o público com clássicos do axé e diversos rítimos.

“O MemoriAxé é o meu xodó. O principal objetivo do projeto é o resgate das canções e personagens do Axé. Em 2013, muitos estavam desaparecidos e eu fui atrás de todo mundo. Penso que Gugui (meu sucessor no Cheiro) tenha sido o artista que mais emocionou justamente porque ele ficou 27 anos sem aparecer em público. Foram mais de 30 artistas que se apresentaram nas três edições (2013, 2015 e 2017). Atualmente, outros projetos surgiram e isso além de me deixar feliz, me orgulha pelo fato de eu ter saído na frente.” 


Fazendo uma comparação entre o Carnaval de 80 e o momento atual, Laurinha conta que no início as pessoas curtiam a festa sem medo, com mais criatividade e qualidade, com novas danças e sucessos a cada edição do evento. Quando perguntei se havia algum artista que ela sentia falta na avenida, a cantora foi firme em dizer que os nomes que ela admira ainda estão em atividade, mas que sua maior saudade em termos de blocos é sem dúvida o Cheiro de Amor.

“O Cheiro de Amor é minha paixão, o bloco do meu coração sempre! Quero o Cheiro de volta na avenida!”




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